Eu queria viver na TV.
Não me entenda mal, não estou falando do mundo em que vivem os artistas, com todo aquele glamour e eventos exclusivos, com privilégios como dirigir sem carteira por anos, e quando parada em uma blitz, poder alegar “não tá me reconhecendo não? Eu sou a fulana, da novela, que absurdo! Eu dirijo há anos sem carteira!”
Não é sobre isso que eu estou falando. Eu queria viver é no mundo imaginário da TV. Mais especificamente no país dos comerciais.
Podia ser naquela utópica propaganda de cerveja, onde só existem mulheres que fariam os membros do estado islâmico explodirem a si mesmos diante de tal visão, tão pecaminosa, e que sempre é dia de jogo de futebol, ou praia, ou os dois, e com churrasco.
Não me importaria a mínima se meu melhor amigo fosse o gerente do meu banco, que era um banco pensado só pra mim, que nunca teria filas e caixas misteriosamente desocupados no horário de pico. Um banco que quando me perguntassem sobre ele, eu fosse só sorrisos e descontração, e que jamais confiscasse o aparelho de respiração da minha avó como pagamento de algum empréstimo gentilmente cedido para realizar TODOS os meus sonhos.
Claro que eu manteria todos esses amigos em contato usando um plano de telefone que me desse o mais novo aparelho, cheio de gadgets, pra eu encher o mundo de fotos, onde a galera perdesse mais tempo lendo as hashtags do que apreciando a imagem, e de selfies, minhas é claro, e que todo mundo quer ver diariamente, óbvio. Tudo compartilhado com um plano de internet mais rápido do que a Millenium Falcon quando ganhou a Corrida Kessel em menos de 12 parsecs, sem para isso eu ter que sacrificar algo como um terço de um salário mínimo por mês. Mas porra né, como já me disseram, vale suuuuuper a pena.
Poderia ser também um atleta radical de algum esporte irado, como dropar de skate de uma hidroelétrica ou jogar gol-a-gol de um ponto de ônibus para o outro, sempre acompanhado de um isotônico refrescante, misteriosamente gelado, e de coloração causada muito possivelmente por isótopos radioativos de nomes estranhos.
Mas...
Sempre tem um mas.
Mas eu trocava tudo isso aí acima, até mesmo as deusas sussurrantes de propaganda de perfume, ou as divas da tinta de cabelo, com aquela clássica imagem que eu já vi pelo menos dois trilhões de vezes, da mulher separando a cabeleira vasta e reluzente, de costas pra câmera, em um Niágara capilar, eu trocava tudo, por uma vida de comercial de margarina.
O suprassumo da felicidade, no nível mais utópico e intangível, sequer imaginado pelos mais audaciosos filósofos. Pais e mães sempre sorridentes (mesmo se fossem encarar logo em seguida, dois ônibus, um metrô e uma CPTM lá em São Paulo, e em dia de chuva) um irmãozinho travesso, e uma avó que está na idade onde a senilidade ainda é engraçada. Todos reunidos em um café da manhã que ocorre, sei lá, com tanta felicidade assim, tem que ser lá pelas nove, em uma vida sem obrigações. E claro, nessa família todos são cantores, bonitos, e todo dia toca OH HAPPY DAY.
E olha, que nem mosca come essa porra.
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