A homeopatia tem como pilares de sustentação a fé, efeito placebo, poder da mente, entre várias outras coisas que permeiam a tênue divisa entre a ciência conhecida e o exoterismo.
Há considerável tempo vem sendo aplicada a medicamentos que tem seu princípio ativo diluído a proporções que fariam o “parte por trilhão” se sentir extremamente enriquecido.
Para os leigos, uma molécula diluída em partes por trilhão é tão representativa, ou tão possível de ser encontrada quanto um pensamento concordante na cabeça de uma paulista que quer ver o último capítulo da novela, mas que teve sua vontade ceifada por um marido (também paulista) que quer ver a final da série C do campeonato de Sergipe ou Alagoas, e não entende o porquê da indignação de sua esposa.
Não é objetivo desse texto colocar em teste a eficácia da homeopatia, mas sim levantar o questionamento quanto a sua área de atuação ter se expandido para o setor alimentício.
Salgadinhos do tipo batatas chips existem em uma variedade imensa de marcas, mas algumas delas insistem em fornecê-los nas maiores variações possíveis dos sabores de isopor ou papel velho. Não fossem os artifícios do aroma, cor, e embalagens com falsas promessas de bacon, queijo ou cebola, a língua teria plena certeza de estar saboreando restos do revestimento de alguma caixa térmica ou um caderno usado.
Existem também os chicletes cujo gosto deveria durar até que ele ficasse duro, o que deveria ocorrer meia hora depois, mas que ao invés disso some depois um ou dois minutos, após se engolir o primeiro acúmulo de saliva. Digno de nota que tais chicletes ficam duros também por volta do mesmo número de mascadas. O que sobra na boca teria utilidade em alguma borracharia como remendo para pneu de caminhão, ou como matéria prima para grips de caneta esferográfica. Deveriam ser vendidos como chicle-teste-drive ou amostras grátis de goma.
E suco de pozinho? Na embalagem vemos estampado junto com o sabor: Rende X litros. Na verdade essa medida volumétrica é apenas para conservar a cor do suco no gradiente ideal, calculado para confundir o seu cérebro. Porque o sabor só existe por volta dos 70% de X, e nem uma gota a mais. Se for do tipo que precisa adoçar, bom estes realmente tem mais sabor, sabor açúcar. E isso depois de se despejar um caminhão basculante inteiro dentro da jarra.
Macarrões instantâneos mereciam um texto só para eles, o nível da mentira aqui beira o profissionalismo que só se encontra na política brasileira. Sabores complexos como “carne com ervas”, “frango xadrez”, “yakisoba”, são tão diferenciáveis para o paladar de um reles mortal quanto duas taças do mesmo vinho, vindos da mesma garrafa poderiam ser para a língua de um enólogo.
Por fim picolés, mais especificamente os de limão, que já vem na cor padrão de gelo e incrível sabor de água. O processo de fabricação deve constituir de uma pipeta muito precisa que despeja uma única gota de sabor sobre um picolé feito inteiramente de H2O. Aparentemente é água pura mesmo, porque nem gosto de encanamento velho é perceptível. Não existe cérebro que se convença de algum sabor ali. Minha sugestão é que passem a ser vendidos sob os rótulos de “torneira da cozinha”, “filtro de barro”, “chuveirada”, “piscina com cloro” e “água velha de geladeira”.
Não sei até que ponto essa economia molecular é vantajosa para os fabricantes, talvez nem mesmo seja esse motivo. Pode ser uma corrente filosófica de um movimento neo-hippie da cultura de desapego total das coisas mundanas que se infiltrou na engenharia de alimentos. Tendo como objetivo fazer os seres humanos transcenderem para um novo patamar, desligando-os das sensações corpóreas mais básicas, para que a mente possa trabalhar livre.
O que vem depois disso? Músicas sem som? Molduras ostentando um buraco vazio na parede? Cinema com imagens em preto e preto?
É como no filme do Peter Pan, onde é necessário imaginar com muita força toda a comida para que o banquete apareça. Nesse tipo de comida, sabor é coisa só pra quem tem a mente muito forte.