top of page

FESTINHA DE CRIANÇA


Festinha de aniversário...


Juntamente ou talvez mais que o natal, é a data mais aguardada por uma criança. Já para os pais, soa mais como... Bom, qualquer palavra que descreva a invasão de hordas demoníacas sobre a terra, o pandemônio, apocalipse e o armageddon juntos, serve.


A residência é invadida (em horário marcado) por um imenso exército de mini-criaturas. Criaturas, sim, esse é o termo que se aplica aos humanos quando estão dentro de uma interseção de dois conjuntos muito específicos, que são: idade pouca, e ambiente de certa tipicidade. Onde a tipicidade do ambiente é definida como sendo a residência do dono da festa.


A casa já foi previamente preparada, objetos frágeis foram guardados (há sempre uma tentativa de deixar o horrível vaso dado pela sogra exposto, mas alguma maldição sobre este objeto sempre faz com que alguém, geralmente advindo do mesmo lado da família dela, lembre-se de preservá-lo). Qualquer coisa que possa cortar ou furar foi trancafiada por uma chave que foi jogada fora. Pois é do conhecimento de qualquer pai e mãe que crianças tem um faro apurado para chaves de lugares proibidos, e encontram-nas, onde quer que estejam.


Toda e qualquer educação dada pelos pais, e que sempre só é vista pelos pais dos outros, some neste dia. Pés nos sofás, escorregador no corrimão da escada, usar as cortinas como cipó e simular duelos com espetos de churrasco são apenas umas das coisas que os donos da casa terão que lidar, rezando para que ao fim do dia não terem que dar explicações de como o filho da fulana (que é um anjinho) perdeu os dois dentes da frente, ou voltou sem o tampão do joelho, ou ainda porque a fulana vai ter que cortar uma mecha do cabelo para tirar um chiclete ou carrinho de fricção que foi enroscado por sabe-se lá quem.


A culinária é um banquete que faria até mesmo os moradores do Valhalla se envergonharem e recolherem-se a sua pequenez. Guarda-chuvinhas de chocolate (entenda por chocolate, parafina com corante) que se tivessem um pavio poderiam bem ser aproveitados como velas para o bolo, mini cachorros-quentes, refrigerantes e sucos (mentira, suco não é permitido em festa de criança, criança que prefere suco a refrigerante deve ser entregue rapidamente a um psicólogo), brigadeiros verdadeiros (e não aquelas pastas prontas em lata), cajuzinhos e as sacanas balas de coco delícia que enfeitam a mesa com papel celofane. Digo sacanas, porque quem nunca passou pela imensa decepção de encontrar uma bala dessas sobre a mesa ao fim da festa, e quando foi feliz apanha-la encontrou nada mais apenas papel vazio? Pois todos esses alimentos maravilhosos estarão presentes, além de um monte de tantas outras coisas que causam cáries e diabetes. Mas em adultos apenas.


Então é chegada a hora do Parabéns. Vou fazer aqui uma observação que julgo necessária: existe na vida um momento em que fica-se mais sem saber o que fazer e para onde olhar do que esse? E esse momento notavelmente é marcado por duas coisas, o tiozão que ficará cantando fora do tempo e/ou fazendo trocadilhos idiotas e de duplo sentido, e pelo tão temido “com quem será?”, puxado talvez também pelo tiozão, melhor amigo, ou qualquer outro da festa que tem menor vontade de comer bolo do que de constranger o anfitrião.


Após o bolo temos o ápice da festa, seriam tocadas aqui cornetinhas de plástico anunciadoras, mas não são pois elas estão contidas ainda dentro do invólucro sagrado que virá a se romper: o Bexigão, ou Balão Gigante. Todas as crianças se reúnem em volta dele, como moscas ao redor de uma lâmpada. Existe aqui um efeito hipnótico potente, que a muito vem sendo estudado pela psiquiatria. O aniversariante passa por todos e rompe-o usando alguma coisa ponte-aguada previamente supervisionada pelos pais (até parece). Nesse momento toda a mistura de farinha, talco, fubá, balas, chicletes e brindes baratos de plástico com rebarba, explodem no ar. Uma reprodução em escalas caseiras do Big Bang. Muito mais fiel do que essas feitas pela ciência usando máquinas caríssimas de 30 km de diâmetro, enterradas na Suíça.


E o que vem após o nascimento do universo? A luz, diriam alguns. Mas não, o que temos é o caos.


A horda está solta.


Sabe aqueles filmes em que vemos um exército descendo pela colina, gritando e empunhando armas, e trombando com o exército inimigo em uma confusão de golpes e pessoas, onde parece que todos atacam arbitrariamente? É mais ou menos isso.


Na verdade, é exatamente isso.


Socos, empurrões, puxão de cabelo, chute nas costas. Vale tudo. Não existe amigo, não existe colega, não existe aniversariante, não existe NADA. Somente o ódio e os instintos mais básicos do ser humano afloram nesse momento.


Aqui temos de fato demonstrada a supremacia dos mais aptos, pois estes sairão ostentando a camisa dobrada para cima para acomodar todas as guloseimas que os bolsos transbordantes não puderam abarcar. Um exemplo da seleção natural.


Do nascimento do universo a teoria da evolução.


Festinha de criança é muita ciência.


bottom of page